Meu encontro com a lucidez e com meu senso de presença e pertencimento no mundo é através da escrita
Quando cavo por baixo dos escombros auto demolidos e
encontro uma passagem de ar para o fluxo criativo.
Porque as coisas desse mundo não bastam. Elas se consomem.
Só posso reconhecer que a fonte do prazer que devolve a
significância humana é criar com as próprias mãos!
Aprendi com os mitos e com os contos de fada a ter asas
emotivas (que me movem nessa direção)
Aprendi com a Vasalisa a eterna busca dançante da auto-nomia
( a capacidade de me atribuir meus próprios nomes)
Porque minha parte que se auto organiza, se solidifica e
reconhece identidade é através das tecituras humanas.
Reconcilio minhas partes escrevendo, dando as mãos,
abraçando e interligando vogais com
consoantes.
Essa é minha parte linear e segura.
É solar, tem clareza e dá sentido.
Já a minha voz é lunar, cíclica e não decifra indagações.
Minha voz coloca poder em legitimar o silêncio e ouvir por trás da palavra
dita.
Meu ouvido insiste nisso, nas ações silenciosas, porque minha psicologia
foi desde o início a dos gestos que a palavra esconde.
Ausência, geografia emocional e afeto não são da ordem da
razão!
E ainda assim é a faceta que me constrói e minha dimensão de
maturidade.
Aprendi com a Deusa Hera a me colocar de forma harmônica e
pacífica, exercendo habilidades ultrapassadas e preservando valores e
tradições!
Me curvei diante de sua imagem austera e a ela disse: te aceito e aprendo contigo,
você é maior, respeitosa esposa de Zeus!
Na adolescência queria ser Ártemis, independente e selvagem,
desbravadora e solitária.
Esses eram os nortes que me preenchiam.
A
possibilidade de ser sozinha na vida me fazia muito sentido e ressoava como um
lema a defender e praticar.
A maternidade me apresentou Deméter, a sacerdotisa! Independência integrada e
amadurecida, bem diferente de Ártemis de cabelo aos ventos!
Fui pra debaixo da terra fazer sulcos e rachaduras, pra
poder voltar vicejante como a maga Perséfone.
Descobri a magia e a alquimia do
ou(t)RO, analogia de significância pra poder mergulhar nos mistérios de
Afrodite.
Seu olhar panorâmico possibilita o distanciamento necessário pra
poder fazer relações!
Nasci de Atena e assimilar o papel da conquista, do fazer e
o motivo da justiça não foi desafio pra mim!
Essas são, então, as mulheres de minha vida. Me reconcilio
com todas que me disponibilizam nutrição para minha essência feminina!
Com elas faço resgates e construções, me fortaleço na minha
ancestralidade, dou continuidade nos bordados já começados, nas linhas já
traçadas, nos pontos , nós, nas tramas que não foram resolvidas!
Dou caminho
e passagem pra donzela percorrer seu
trajeto de mulher fértil a anciã sábia. La que sabe!
Observo e registro meu processo de crescimento através da
influência das minhas mulheres!
Não ao acaso fui inserida no contexto das rodas!
Me criei
dessa forma, nesse espaço circular sagrado
de encontro e revelação .
As experiências circulares foram dando significado e
me imbuindo de propósito de cura.
O amor cria a conexão, a verdade liberta e
cria espaço para ser!
Resgates e reconstruções são cíclicas, circulares e se
validam na partilha.
Para sustentar e ancorar meu trabalho com mulheres ativo meu
coração, aqueço meu útero, ouço sem fazer ruído, me envolvo pelo tecido humano
maleável e flexível, e escrevo!
Trabalhar com mulheres é tecer a trama, tricotar fios de
estórias achadas. É ser a moça tecelã, dois avanços e um recuo.
É se inserir no
tempo de Kairós, o que os gregos chamam de tempo oportuno, o momento certo, o
tempo de Deus!
Tempo matrístico! Pacífico e próspero! A cooperação e a
proteção como única forma de sobrevivência.
O fazer como verdadeira forma de ser
O registro como grafia pra memória reter o avanço do caminho sinuoso, irregular,com
obstáculos, desníveis e propósito de avanço irreversível!
Texto: Cinthya Garcia
Foto: Pinterest
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