sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Feminilidades





Meu encontro com a lucidez e com meu  senso de presença e pertencimento no mundo  é através da  escrita

Quando cavo por baixo dos escombros auto demolidos e encontro uma passagem de ar para o fluxo criativo.

Porque as coisas desse mundo não bastam. Elas se consomem.

Só posso reconhecer que a fonte do prazer que devolve a significância humana é criar com as próprias mãos!

Aprendi com os mitos e com os contos de fada a ter asas emotivas (que me movem nessa direção)

Aprendi com a Vasalisa a eterna busca dançante da auto-nomia ( a capacidade de me atribuir meus próprios nomes)

Porque minha parte que se auto organiza, se solidifica e reconhece identidade é através das  tecituras  humanas.

Reconcilio minhas partes escrevendo, dando as mãos, abraçando e interligando  vogais com consoantes.

Essa é minha parte linear e segura.  É solar, tem clareza e dá sentido.

Já a minha voz é lunar, cíclica e não decifra indagações. 

Minha voz coloca poder em legitimar o silêncio e ouvir por trás da palavra dita. 

Meu ouvido insiste nisso, nas ações silenciosas, porque minha psicologia foi desde o início a dos gestos que a palavra esconde.

Ausência, geografia emocional e afeto não são da ordem da razão!

E ainda assim é a faceta que me constrói e minha dimensão de maturidade.

Aprendi com a Deusa Hera a me colocar de forma harmônica e pacífica, exercendo habilidades ultrapassadas e preservando valores e tradições!

 Me curvei diante de sua imagem austera  e a ela disse: te aceito e aprendo contigo, você é  maior, respeitosa esposa de Zeus!

Na adolescência queria ser Ártemis, independente e selvagem, desbravadora e solitária.
 Esses eram os nortes que me preenchiam. 

A possibilidade de ser sozinha na vida me fazia muito sentido e ressoava como um lema a defender e praticar.

A maternidade me apresentou Deméter, a  sacerdotisa! Independência integrada e amadurecida, bem diferente de Ártemis de cabelo aos ventos!

Fui pra debaixo da terra fazer sulcos e rachaduras, pra poder voltar vicejante como a maga Perséfone.

Descobri a magia e a alquimia do ou(t)RO, analogia de significância pra poder mergulhar nos mistérios de Afrodite. 

Seu olhar panorâmico possibilita o distanciamento necessário pra poder fazer relações!

Nasci de Atena e assimilar o papel da conquista, do fazer e o motivo da justiça não foi desafio pra mim!

Essas são, então, as mulheres de minha vida. Me reconcilio com todas que me disponibilizam nutrição para minha essência feminina!

Com elas faço resgates  e construções, me fortaleço na minha ancestralidade, dou continuidade nos bordados já começados, nas linhas já traçadas, nos pontos , nós, nas tramas que não foram resolvidas!

 Dou caminho e  passagem pra donzela percorrer seu trajeto de mulher fértil a anciã sábia. La que sabe!
Observo e registro meu processo de crescimento através da influência das minhas mulheres!

Não ao acaso fui inserida no contexto das rodas!
 Me criei dessa forma, nesse espaço  circular sagrado de encontro e revelação . 
As experiências circulares foram dando significado e me imbuindo de propósito de cura.

O amor cria a conexão, a verdade liberta e cria espaço para ser! 
Resgates e reconstruções são cíclicas, circulares e se validam na partilha.

Para sustentar e ancorar meu trabalho com mulheres ativo meu coração, aqueço meu útero, ouço sem fazer ruído, me envolvo pelo tecido humano maleável e flexível, e escrevo!

Trabalhar com mulheres é tecer a trama, tricotar fios de estórias achadas. É ser a moça tecelã, dois avanços e um recuo. 

É se inserir no tempo de Kairós, o que os gregos chamam de tempo oportuno, o momento certo, o tempo de Deus!

Tempo matrístico! Pacífico e próspero! A cooperação e a proteção como única forma de sobrevivência.
O fazer como verdadeira forma de ser

O registro como grafia pra memória reter o  avanço do caminho sinuoso, irregular,com obstáculos, desníveis e propósito de avanço irreversível!





Texto: Cinthya Garcia
Foto: Pinterest